Crianças recolhem pedaços de madeira
em lixão em Santarém (PA)
Foto: Divulgação / MPT
Meninos e adolescentes vítimas de
trabalho infantil foram encontrados catando e queimando pedaços de madeira em
área com metano, que é inflamável
Daniel Santini, da Repórter Brasil
Em uma ação conjunta realizada no final de outubro, representantes do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho
(MPT) flagraram crianças e adolescentes recolhendo madeiras para produzir
carvão dentro de um lixão em Santarém, no Pará. Calçando apenas chinelos, os
meninos reuniam tocos e ripas com farpas e pregos enferrujados e os agrupavam
para incineração bem no meio do terreno. A queima acontecia em uma área com
alta concentração de metano, gás inflamável resultante da decomposição do lixo.
“Foram encontradas crianças de
menos de dez anos de idade produzindo carvão de maneira primitiva. Não estamos
falando daquelas casinhas tipo iglu, mas de carvão fabricado no chão mesmo.
Este carvão era produzido dentro de um lixão onde há decomposição de resíduos
orgânicos, o que é um agravante. Há risco altíssimo de explosão”, explica o
procurador Allan Bruno, do MPT de Santarém.
O lixão de Santo André funciona há décadas como ponto de descarte não somente
de lixo, mas também de entulho de construções e de resíduos de serrarias e
madeireiras. O despejo de materiais teve início com um buraco aberto no
passado, preenchido com toneladas de dejetos. A preocupação das autoridades em
relação a explosões tem fundamento. Em outubro de 2010, incêndio relacionado à
produção irregular de carvão assustou moradores do bairro.
Madeira era queimada no chão do aterro
Foto: Divulgação/MPT
Famílias vulneráveis
As crianças vítimas de trabalho infantil são de treze famílias que
sobrevivem do aproveitamento de materiais descartados no lixão. De acordo com
as autoridades, o carvão artesanal era vendido diretamente para os
consumidores, sem intermediários. Para Mary Garcia Castro, professora do programa
de pós-graduação Família na Sociedade Contemporânea e de mestrado em Políticas
Sociais e Cidadania da Universidade Católica de Salvador, é preciso considerar
que a questão é complexa ao se atribuir responsabilidades pela situação
degradante a que os meninos e adolescentes estavam submetidos.
“É muito fácil culpar as famílias, falar que elas não pensavam nas
crianças e dizer que o certo seria tirar a guarda, mas é preciso considerar
quais alternativas elas tinham. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
considera que não só a família, mas também a sociedade e o estado são
responsáveis. A família, neste caso, parece o elo mais vulnerável. Quando se
está numa lógica de sobrevivência, a família pensa na sobrevivência imediata”,
afirma a professora, que já fez parte do Conselho Nacional de Juventude e do
Conselho Nacional de Direitos da Mulher. “A ausência maior é de políticas
públicas e principalmente de ação municipal. Se essas crianças estivessem em
boas escolas em tempo integral não estariam no lixão. Vivemos no Brasil um
momento em que estamos eufóricos com os índices econômicos, mas é preciso
refletir se esses índices vão se sustentar com esse tipo de condições a que
crianças e adolescentes são submetidos”, defende.
Banheiro utilizado pelas famílias
Foto: Divulgação/MPT
Responsabilidade
Quem acompanhou a fiscalização pelo MPT foi a procuradora Márcia Bacher
Medeiros, participante do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, que
esteve na região para apurar denúncias de escravidão contemporânea. O caso das
crianças no lixão foi encaminhado à procuradoria regional, que ficou de cobrar
providências do poder público. “A responsabilidade pela situação é do Município
que deveria ter cercado a área. A Prefeitura assinou um Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) em fevereiro de 2002 assumindo este compromisso”, sustenta o
procurador Allan Bruno. “Além disso, a Constituição coloca como prioridade a
proteção da criança e do adolescente. A erradicação do trabalho infantil deve
ser meta dos municípios. E neste aterro, foi encontrado trabalho infantil e
degradante ainda por cima, crianças em condições subumanas”, completa.
Procurado pela reportagem, o secretário municipal de Planejamento
Everaldo Martins Filho afirmou que a Prefeitura já tomou providências
anteriormente para tentar resolver o problema. Ele afirma que 30 famílias que
viviam no local foram realocadas e que o município fez um pedido de verbas para
o Ministério das Cidades para reurbanizar a área do lixão. “Não temos como
cumprir o TAC e cercar tudo porque é uma área em que a população circula. Este
compromisso foi assumido por outra administração e não é algo que possa ser
concretizado. Além disso, não dá para manter vigilância todo o tempo”, afirmou.
Quanto às crianças e às treze famílias encontradas em situação
degradante vivendo dentro do lixão, o secretário prometeu providências e disse
que, antes da transição para o próximo governo, a Secretaria de Assistência
Social irá garantir condições dignas para todos. Na semana passada, o
procurador-geral de Santarém Isaac Lisboa fez uma audiência com representantes
da prefeitura para cobrar providências.
Veja também:
Esta reportagem foi produzida pela Repórter Brasil e faz parte da série
de especiais Meia Infância, parte integrante da campanha É da nossa conta!
Trabalho infantil e Adolescente
Fonte: promenino