Morre Nelson Mandela, ícone da luta pela liberdade na África

"Madiba" marcou a história sul-africana como símbolo da luta contra o apartheid e como primeiro presidente negro do país. Com sua morte aos 95 anos, África do Sul e Congresso Nacional Africano perdem símbolo moral.

Nelson Mandela, o ídolo reverenciado da luta antiapartheid sul-africana e uma das mais importantes figuras políticas do século 20, morreu nesta quinta-feira (05/12), aos 95 anos, disse o presidente da África do Sul, Jacob Zuma. "Ele agora está descansando. Ele está agora em paz", afirmou Zuma, com ar sombrio, ao fazer o anúncio em intervenção televisiva.
"A nossa nação perdeu o maior dos seus filhos", acrescentou. "O nosso querido Madiba vai ter um funeral de Estado", pormenorizou, anunciando que a bandeira sul-africana vai estar a meio-pau a partir de sexta-feira e até as suas exéquias.
Quando Gadla Mandela batizou seu filho de "Rolihlahla", em julho de 1918, ele certamente não tinha ideia do quanto este faria honra ao nome. No idioma da nação xhosa, "Rolihlahla" significa "aquele que parte os galhos", ou, em tradução menos literal, "o que cria muita confusão". E o visionário ativista "Madiba" – nome de clã de Nelson Mandela, um apelido carinhosamente adotado por todo o povo da África do Sul – causou muita confusão na injusta sociedade sul-africana dos anos 1960.
O apartheid – regime de segregação racial liderado pela minoria branca entre 1948 e 1994 – se vingou, colocando Mandela atrás das grades durante 27 anos. Tornaram-se famosas as palavras finais de "Madiba" após a conclusão, em 1964, do processo Rivonia – no qual foi responsabilizado por mais de 150 atos de sabotagem e condenado à prisão perpétua. "Estou disposto a morrer", disse Mandela ao fim de seu discurso de quatro horas, durante o qual revelou todos os ardis da separação racial em seu país.
O ex-líder sul-africano abriu o primeiro escritório de advocacia para negros em Johannesburgo
Ainda jovem, Mandela já partia um ramo ou outro. Após uma infância privilegiada como filho do chefe, nas verdes colinas de Transkei (sudeste da África do Sul), destacou-se na universidade como líder de um protesto estudantil. Mais tarde, escapou de um casamento forçado, fugindo para a metrópole Johannesburgo, onde em breve se politizaria.
Em 1944, Mandela tornou-se membro do Congresso Nacional Africano (ANC), atual partido governista com o presidente Jacob Zuma. Em 1948, o Partido Nacional assumiu o poder, e a partir de então institucionalizou a separação de raças. Quatro anos mais tarde, após o batismo de fogo como assistente jurídico num escritório mantido por judeus, Mandela abriu o primeiro escritório negro de advocacia de Johannesburgo.

Luta armada contra o apartheid
Mandela recebe o uniforme da prisão. Ele ficou 27 anos atrás das grades por lutar contra o apartheid
Essa foi a época dos protestos de massa e campanhas de desobediência civil do ANC contra o apartheid, nos quais Mandela desempenhou papel central.
Após a proibição do ANC em 1961, ele fundou com outros pugilistas amadores a ala militante Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação) e, na qualidade de comandante da organização clandestina, ordenou operações de guerrilha contra instituições públicas.
No ano seguinte, viajou secretamente para o exterior, a fim de angariar apoio financeiro para a formação dos quadros do ANC. Ao retornar, foi preso e mais tarde condenado no processo diante do tribunal de Rivonia.
Mandela cumpriu 17 anos de sua sentença na mal-afamada Ilha de Robben (Robben Island), a cerca de 11 km da capital legislativa sul-africana, a Cidade do Cabo. No trabalho forçado nas pedreiras, sob sol ardente, o preso político teve grande parte da visão prejudicada – o que, mais tarde, levou a uma proibição do uso de flashes por fotojornalistas.
Durante a detenção, Mandela criou a chamada "Universidade da Ilha de Robben", ensinando aos presos a ler e a escrever. Hoje, a cela número 5 da ilha, Patrimônio da Humanidade da Unesco, é um dos pontos turísticos mais visitados na África do Sul.
No discurso após sua libertação, em 1990
Em 1988, Nelson Mandela começou a ser preparado para a libertação. Três anos antes, ele recusara um perdão da pena em troca do abandono da violência por parte do ANC. Seguiram-se negociações secretas com as autoridades, e em 11 de fevereiro de 1990, após 27 anos de prisão, Nelson Mandela foi libertado sob as ordens do então presidente Frederik de Klerk, com quem dividiria o Prêmio Nobel da Paz de 1993 pelos esforços de ambos para acabar com o apartheid.
Após o apartheid, a aids
Após sua libertação, Mandela pressionou pelo fim da separação racial, o que levaria às primeiras eleições livres de seu país, em abril de 1994. Em 10 de maio daquele ano, ele foi empossado primeiro presidente negro da África do Sul.
A partir daí, concentrou-se sobretudo na reconciliação entre as raças. Juntamente com o arcebispo Desmond Tutu, da Cidade do Cabo, impulsionou a revisão dos crimes do apartheid na Comissão da Verdade e da Reconciliação.
Após encerrar o mandato presidencial e despedir-se da política ativa em 1999, "Madiba" dedicou-se às funções sociais de sua fundação. O trabalho é voltado principalmente às crianças especiais e aos portadores de aids. "Os sul-africanos travaram uma nobre luta contra o apartheid. Hoje, estão diante de uma ameaça muito maior", declarou Mandela, cujo segundo filho, Makgatho, morreu da doença em 2005.
Por sua vez, seu sucessor, Thabo Mbeki, negligenciou o combate à epidemia que se alastrava. Mas o próprio Mandela admitiria mais tarde não ter feito o suficiente contra o alastramento da aids durante seu mandato presidencial.
Na luta contra a miséria na África do Sul, Mandela tampouco correspondeu às expectativas. O slogan de 1994 do ANC – "Uma vida melhor para todos" – só se tornou realidade para uma pequena elite negra. Corrupção crescente, criminalidade endêmica e ausência de perspectivas de emprego são, até hoje, uma ameaça para a chamada Nação do Arco-Íris (definição usada para descrever a África do Sul pós-apartheid).
Nelson Mandela se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul, em 1994
Símbolo moral
No plano internacional, Nelson Mandela empregou sua popularidade em prol do Burundi, país africano devastado pela guerra civil entre 1993 e 2005, e criticou publicamente a política dos Estados Unidos e do Reino Unido em relação ao Iraque.
Mandela era conhecido pelo seu carisma, tranquilidade e sabedoria. E pelo jeito descontraído. Mesmo ao receber visitas do mais alto escalão, preferia vestir as famosas camisas multicoloridas camisas "Madiba shirts". Em 2004, a popularidade de Mandela e seu empenho foram decisivos para que a África do Sul fosse escolhida para sediar a Copa do Mundo de futebol de 2010.
Mandela foi casado três vezes. Com a primeira mulher, Evelyn Ntoko Mase, ativista do ANC, da qual se divorciou em 1957, teve dois filhos e duas filhas, sendo que uma morreu ainda bebê. O primeiro filho de Mandela, Madiba Thembekili, morreu em 1969 em um acidente de carro.
Em 1964 ele se casou com Winnie Mandela, a primeira assistente social negra de Johanesburgo. Da união, que durou até 1996, nasceram duas filhas.
Ao completar 80 anos, em 18 de julho de 1998, Mandela casou-se com a política e ativista dos direitos humanos moçambicana Graça Machel, que foi ministra da Educação e da Cultura no primeiro governo do país vizinho da África do Sul após a independência de Portugal, em 1974. Graça Machel é também viúva de Samora Machel, ex-presidente de Moçambique e apoiador do ANC.
Em abril de 2013, durante a última aparição pública
Em abril de 2013, durante a última aparição pública
Mandela pretendia comparecer à abertura da Copa do Mundo de futebol em 11 de junho de 2010 em Johanesburgo. Mas na noite anterior, sua bisneta, Zenani, de 13 anos, morreu em um acidente de carro, o que o levou a cancelar a participação na cerimônia. Seu estado piorou visivelmente nesta época.
Em julho de 2011, ele se mudou definitivamente para Qunu, seu povoado natal, alimentando especulações sobre sua saúde. A hospitalização mais recente de Mandela foi no final de março deste ano, durante dez dias, para tratar de uma infecção pulmonar recorrente, talvez ligada às sequelas de uma tuberculose contraída durante o encarcerameto na Ilha de Robben.
Durante a última aparição em público, em abril, Mandela apareceu fisicamente enfraquecido ao receber os mais altos dirigentes da África do Sul na própria residência.
Com Nelson Mandela, o mundo perde um grande guerreiro pela liberdade. Sua pátria, a África do Sul, perde, além disso, uma bússola moral – ainda que o ancião, ultimamente cercado pelos bisnetos, quase nunca se pronunciasse sobre temas políticos da atualidade.
Entre os especialistas, fica o temor de que, após a partida de seu mentor, o ANC de Mandela enverede ainda mais depressa pelo caminho de vários movimentos libertários da África: em direção ao abuso de poder e ao nepotismo.

Fonte: DW Notícias

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