Aquífero Guarani: como se formou esse imenso oceano que está sob nossos pés?


Abaixo da superfície de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai há um oceano enorme. O nome dele já é bastante conhecido, inclusive: trata-se do Aquífero Guarani, um sistema de reservatórios de água subterrânea cuja área é maior que 1 milhão de quilômetros quadrados, e a quantidade de água equivalente a 45 mil quilômetros cúbicos.

Durante muitos anos, o Sistema Aquífero Guarani (SAG) foi considerado o maior do mundo - e ainda hoje figura entre os mais volumosos do planeta. No Brasil, ocupa as áreas dos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

O que é o Aquífero Guarani?

O vice-diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da USP Ricardo Hirata explica que um aquífero é um grande reservatório de água localizado sob a superfície dos continentes. Se forma nos poros dos sedimentos e das rochas que os compõem e corresponde a aproximadamente 97% de toda água doce e líquida do planeta - não considerando oceanos e geleiras.

“Se você observar um copo preenchido completamente com areia comum de praia, você conseguirá colocar uns 15% a 35% do volume do copo em água”, compara o professor Hirata. “Estas águas ou estão subterrâneas ou contidas dentro de um material geológico, como a areia no copo”.

A forma como a água se aloca neste reservatório subterrâneo é determinante para definir a produtividade de um aquífero. E o mais importante, neste caso, não é a água, mas a rocha. É o tipo de rocha que define a capacidade do aquífero de receber mais ou menos água e também a profundidade que os poços podem atingir.

“Um aquífero poderá fornecer água indefinidamente se as extrações forem inferiores à recarga. A produção de um poço perfurado no aquífero irá depender se a rocha é mais ou menos permeável. Assim, um bom aquífero será aquele que tem boa recarga e uma boa permeabilidade”, esclarece o professor.

Como se forma?

A formação de um aquífero se dá em pelo menos dois momentos. A primeira etapa é a criação do arcabouço geológico ou do espaço poroso resultante da sedimentação da rocha. A segunda, naturalmente, é o preenchimento desse espaço com a água.


“No caso do Sistema Aquífero Guarani, a criação do espaço poroso é muito mais antiga e relaciona-se à deposição de seus sedimentos em um ambiente desértico de grandes dunas. Ao longo do tempo, esses sedimentos, quando aflorantes na superfície, receberam água da chuva, que lentamente foram se infiltrando e percolando pela rocha, preenchendo os seus espaços vazios, os poros”, explica Ricardo Hirota.

Essa água que se infiltra e compõe o aquífero não fica parada. No subterrâneo ela também se movimenta (pode variar de metros por dia a metros por ano). Isso significa que em todos os casos de aquífero, há uma área de descarga dessa água, geralmente em rios de superfície.
Conhecido desde o século 19, descoberto em 2003

As unidades geológicas que compõem o sistema já são conhecidas pelos pesquisadores desde o fim do século 19. O professor de geologia explica que, no estado de São Paulo, o Guarani era conhecido como Aquífero Botucatu-Piramboia - que são os nomes dessas formações.


Sabia-se que havia enorme potencial no reservatório de água, mas somente a partir de 1996 que as pesquisas avançaram para entender o real tamanho do aquífero, mapear todas as unidades geológicas e conferir se estariam conectadas.

Em 2003, constataram, enfim, o que conhecemos hoje como o Aquífero Guarani. O nome foi uma homenagem às populações indígenas que viveram ao longo de sua região.
A água é potável?

A confirmação de que, de fato, havia uma conexão entre todos reservatórios subterrâneos do Uruguai ao Mato Grosso, do norte da Argentina à quase a costa de São Paulo gerou uma expectativa enorme em relação ao potencial de captação de água potável - chegou-se a dizer que seu armazenamento de água supriria o consumo mundial por até 200 anos.

“Esperava-se que o Guarani fosse tão produtivo como se observa na sua porção norte, mas o que se descobriu é que no sul ele se torna mais compartimentado em blocos, devido a falhas geológicas, e sua permeabilidade se reduz. Assim, o SAG é um grande sistema, mas infelizmente não é altamente produtivo em toda a sua extensão”, afirma o pesquisador.

Essa heterogeneidade é também nítida quanto à qualidade da água. Na grande maioria do sistema, a água apresenta baixa salinidade e é potável, embora em alguns pontos tenha problemas de contaminação por flúor. Nas porções que são território argentino e uruguaio, há áreas extensas de alta salinidade e, portanto, de água não propícia para o consumo.

O maior do mundo?

Quando foi descoberto todo o alcance do SAG, logo recebeu o título de maior aquífero do mundo. Não é bem uma verdade. “A questão do maior é difícil de definir, pois um aquífero pode ser maior em extensão, em volume etc.”, justifica o professor.

Hoje, há evidências suficientes para apontar dois aquíferos como os maiores do mundo, considerando tamanho ou quantidade de água. O Great Artesian Basin ocupa 1,7 milhão km² na Austrália e tem estimativa de 65 mil km³ de água. E o africano Nubian Sandstone, que passa por territórios de Egito, Chad, Líbia e Sudão reina como o maior de todos: 2 milhões de km² de área e, estima-se, 150 mil km³ de água.
SAGA

O maior de todos, contudo, pode também estar aqui no Brasil, e não se trata do Guarani. O aquífero cujas mais recentes estimativas indicam como o maior reservatório de água do planeta é o SAGA, Sistema Aquífero Grande Amazônia.

Anteriormente conhecido como Aquífero Alter do Chão, o reservatório ocupa uma área aproximada de 1,3 milhões de km², entre Amapá, Pará, Amazonas e Acre, e sua capacidade hídrica seria de 162.520 km³, de acordo com informações da Universidade Federal do Pará.

“Sem entrar em discussão se ele é maior que o SAG ou mesmo que o aquífero australiano ou o africano, é necessário um estudo profundo para se ter uma ideia de suas dimensões em área e volume de água armazenada e sobretudo quanto desta água é aproveitável”, analisa Ricardo Hirota. “A vantagem do SAG é que está onde mais se precisa de água, no Sudeste e Sul brasileiros [porque têm populações mais densas]”.
Haverá privatização?

Há anos correm boatos de que haveria um movimento de privatização do Aquífero Guarani. Para o professor Ricardo Hirota, especialista em águas subterrâneas, a hipótese é muito pouco provável.

“Por que comprar o aquífero? É muito mais fácil para o usuário requerer o uso para os órgãos competentes e ter a água, sem desgaste político ou problemas na imagem frente à sociedade brasileira. Mas caso uma indústria peça a outorga de uma grande quantidade de água em uma área muito grande, tentando criar uma reserva de água, tal medida seria inócua, pois primeiro tais autorizações tem tempo limitado e, caso haja disputa de uso entre o privado e o abastecimento público, por exemplo, este último teria prioridade perante a lei”, argumenta.

Para Hirota, o principal problema que o aquífero sofre é a exploração ilegal e sem fiscalização. Ele reclama que os órgãos de estado responsáveis são poucos eficientes e têm controle bastante falho, o que permite que ocorra a perfuração de muitos poços clandestinos.

Hoje, a lei que regula a exploração e explotação das águas subterrâneas é de cada estado da União, que tem soberania para administrá-las ou outorgar o uso para gerenciamento privado. Para haver possibilidade de compra, seria necessário mudar a Constituição vigente.

Fonte: Vix

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