Gestão Estratégica Socioambiental: imprescindibilidade da Alta Direção

Por Giuliano Moretti*

Na clara tendência rumo à sustentabilidade econômica, social e ambiental, muito se ouve sobre o midiático comprometimento da alta direção das organizações. Nada de errado se efetivamente aquilo que se prega pela qualidade retórica, comprova-se pelo exemplo. Contudo, ainda se verifica um enorme abismo entre a responsabilidade discursada e o pragmatismo de algumas empresas.

A declaração de comprometimento com a responsabilidade socioambiental já foi tratada no artigo “Política Ambiental: declaração de comprometimento com a responsabilidade ambiental“, da série de artigos ISO 14001 Comentada. Neste texto, pretende-se ampliar a perspectiva sobre o compromisso da alta direção para além dos limites de um Sistema de Gestão Ambiental, atingindo o paradigma estratégico da organização.

Discurso e Prática: uma convergência ainda difícil

Não é mais novidade que a sustentabilidade é uma condicionante relevante para o sucesso de uma empresa no setor em que atua. Aquelas empresas – e não são poucas – que ainda protelam a consideração estratégica das variáveis sociais e ambientais em suas operações, já potencializam altos riscos para os seus negócios. Razões evidentes levam a crer nisso: o desenvolvimento legal, a galopante conscientização de clientes/consumidores e a influência da imagem/relação com os órgãos públicos ambientais, ONGs, comunidades, investidores e demais elementos que compõem as carteiras de share e stakeholders (partes interessadas nos impactos e nos riscos socioambientais do negócio).

Segundo informações do recente artigo publicado pela AccountAbility (instituto que publica a norma AA1000), mais de 2000 empresas ao redor do mundo foram retiradas do Pacto Global das Nações Unidas (UN Global Compact) por falhas na comunicação sobre a integração dos dez princípios de sustentabilidade em suas estratégias e operações. A perda de reconhecimento junto ao mercado, à sociedade e às entidades internacionais, função das divergências entre o discurso e a prática da responsabilidade, pode trazer prejuízos institucionais e financeiros significativos. O descrédito no nicho em que essas empresas atuam geralmente exige muito desgaste institucional e um preço alto para a contingência desse efeito.

É o que aconteceu com corporações e marcas como a Nike, Absolut e Calvin Klein, por exemplo, que, como Élisabeth Laville cita em “A Empresa Verde” (Õte, 2009), estas empresas:

“têm sido quase explicitamente acusadas de dissimular sob uma aparência´cool´ uma realidade que, na prática, não é bem assim, pois inclui as condições sociais em que a Nike terceiriza a fabricação de seus produtos, os perigos do álcool ao volante com a Absolut e o estímulo à anorexia e aos valores estético-corporais artificiais pela Calvin Klein.”

Logicamente que essas e outras grandes empresas citadas pela autora empreenderam esforços para reverter a grande perda na imagem institucional devido às suas antigas práticas que passaram a ser condenadas, adotando um novo posicionamento de princípios e de valores mais adequados às exigências socioambientais modernas.

Por que, então, não evitar estes custos, trazendo-os para o presente, na qualidade de “investimentos socioambientais” – inclusive, relativamente mais modestos -, iniciando de imediato a readequação do negócio? A resposta é simples: porque, na crença de algumas administrações, o retorno financeiro desses investimentos ainda parece intangível, de longo prazo e incerto, o que as faz preferir o risco em detrimento da proatividade social e ambiental. Certamente esta crença é desconstruída quando os riscos se revertem em consequências que maculam a imagem do negócio ou, no extremo positivo, quando os investimentos se traduzem em dividendos para todos. Portanto, quando se trata de sustentabilidade das operações empresariais, até agora e apesar de evidente, não se percebeu que os riscos da inobservância dos critérios de sustentabilidade são muito maiores do que os riscos do investimento nesses critérios.

Esta distância entre o discurso da responsabilidade e as ações de fato se explica: o empresariado ainda interpreta a reserva de recursos para a melhoria dos indicadores de performance socioambiental como custos impostos extraordinariamente, não antes abarcados pela sua gestão. Visão imposta por uma perspectiva de retorno em curto prazo, que contamina a tomada de decisão e reforça sua postura contra os requisitos socioambientais.

Situações como estas derivam do status quo econômico-industrial de vertente exploratória, que resiste em avançar para a cultura do capitalismo natural, no qual prevalece o desenvolvimento socioeconômico sobre as bases do cuidado e da preservação. A emergência desta transição entre os sistemas capitalistas – do industrial para o natural – se acentua, no entanto, à medida em que a nova lógica do mercado limita, com requisitos sociais e ambientais, o market share das administrações menos comprometidas. É neste cenário que a Gestão Estratégica Socioambiental se revela uma ferramenta útil para a construção de soluções organizacionais que convirjam para um mercado, uma economia, uma sociedade e um ambiente mutuamente mais alinhados.

Gestão Estratégica Socioambiental (GES)

A gestão estratégica é, basicamente, uma maneira de se gerir uma organização que permita constantemente avaliar em que ponto ela se encontra, aonde ela quer chegar e quais as melhores alternativas a serem trilhadas entre estes dois pontos – que, diga-se de passagem, nunca permanecem estáticos. É uma forma de coordenar as ações da empresa tal qual um exército planeja seus movimentos antes, durante e depois das batalhas, e daí vem o termo “estratégia”.

Como uma bússola nas mãos da alta direção, a GES considera os requisitos sociais e ambientais frente às tendências do seu mercado, às oportunidades e aos riscos atrelados às operações. Dentre outros aspectos, ela inclui a análise de cenários, o desenvolvimento de planos de gestão (estratégias) e a tomada de decisão envolvendo critérios como:

• disponibilidade de recursos e os níveis atuais de desperdício;
• graus de eficiência e produtividade operacionais;
• qualidade de produtos e serviços prestados;
• inovação de produtos, menos dispendiosos e mais duradouros;
• graus de dependência de carbono, meios e impactos da descarbonização do negócio;
• conhecimento do ciclo de vida de materiais, produtos e subprodutos, que permita optar por aqueles que ofereçam menores impactos;
• medidas de qualidade de vida/satisfação e dignidade das pessoas envolvidas ou afetadas pela existência do negócio;
• controle da saúde e segurança ocupacional;
• promoção da educação voltada à multiplicação da cidadania e da preservação do meio ambiente;
• grau de integração dos anseios da sociedade nos processos de análise crítica do negócio;
• apoio e segurança social;
• projeção de cenários econômico-financeiros em função das mudanças socioambientais empreendidas;
• marketing socioambiental responsável, incluindo a publicidade de produtos e serviços;
• demais variáveis econômicas, culturais, sociais e ambientais em que as atividades se sustentam.

Uma vez provado que não se pode mais prescindir da atenção institucional às esferas social e ambiental, é certa a necessidade de se equacionar estrategicamente estes pilares, de forma a garantir a sustentabilidade reivindicada pelas partes mutuamente influentes (Empresa X Sociedade X Meio Ambiente). Como elemento da Governança global, a GES assegura maiores vantagens, como transparência, diferenciação e fidelização do mercado consumidor, estimulando o crescimento harmônico com o meio ambiente e com a sociedade. Permite-se, deste modo, uma satisfatória conciliação entre o investimento realizado no capital humano e ambiental e o respectivo retorno financeiro, além da perenidade do negócio.

O primeiro passo: disposição para a mudança

A quebra dos velhos paradigmas de gestão deve ser um desafio priorizado pelos dirigentes das organizações. O posicionamento gerencial deve instigar a internalização dos investimentos em sustentabilidade, mitigando a externalização dos seus potenciais passivos socioambientais. Recursos devem ser alocados para ações sociais e para a melhoria do desempenho ambiental, não só como uma responsabilidade inseparável do negócio, mas principalmente com o fim de compensar os lucros advindos dos ativos que são patrimônio da sociedade. Recomenda-se que na absorção desses novos valores, o corpo diretor disponha de um “Conselho da Administração” ou de uma consultoria especializada, que trará sugestões e perspectivas imparciais norteando a consolidação das soluções mais adequadas.

A alta administração deve atentar para alguns cuidados quando se decide pela mudança de postura, para não cair na vala comum do modismo e da hipocrisia. Dentre esses cuidados, deve-se evitar os erros corriqueiros, dentre eles:

• Confundir a Responsabilidade Social com assistencialismo e sua publicidade;

• Confundir a Responsabilidade Ambiental com a simples coleta seletiva e sua publicidade.

É também necessário compreender a importância desses investimentos no dimensionamento dos objetivos e metas globais da organização. Por serem investimentos, é justo que se realizem os justos retornos sociais, ambientais e, logicamente, econômicos – desvirtuando a ideia de que estes investimentos se realizem a fundo perdido. A inteligência organizacional se prova quando a alocação de recursos, sistemática e contínua, traduz-se em incrementos ideais ao tripé da sustentabilidade: economia (maiores lucros/produtividade), sociedade (pessoas felizes) e meio ambiente (uma fonte crescente de recursos).

Por fim, a visão exploratória sem a compensação socioambiental na mesma proporção à sociedade deve ser extirpada pela administração de vanguarda. Do contrário, é fato que a organização perecerá diante da irreversível pressão mercadológica, legal, social e ambiental.

Giuliano Moretti: Engenheiro Químico com MBA em Sistemas de Gestão Ambiental e Mestrado em Gestão Ambiental. Diretor Executivo de Operações Sustentáveis da Preserva Ambiental Consultoria. Vice-Coordenador do Núcleo de Estudos Científicos em Sustentabilidade (NECS). Consultor, Auditor e Perito Judicial Ambiental Cível. Professor dos cursos de pós-graduação MBA em Gestão de Obras de Edificações no SENAI (CIETEP Curitiba) e Sustentabilidade em Arquitetura e Desenvolvimento Urbano na Universidade Positivo. Membro do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (IPEDT).

Fonte: Núcleo de Estudos Científicos em Sustentabilidade (NECS)

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