A importância da usina de compostagem de São José do Rio Preto

A Lei Federal 12.305, de 02.08.2010, instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos com vistas ao gerenciamento integrado e à gestão ambiental correta de resíduos sólidos. Essa lei, por meio de 57 artigos, estabeleceu diversas definições, instrumentos, princípios, objetivos e diretrizes. Chama muito a atenção o fato do artigo 54 fixar o prazo máximo de quatro anos para a disposição final ambientalmente adequada dos “rejeitos”. Convém esclarecer que o termo “rejeito” designa o resíduo que, depois de esgotadas todas as possibilidades técnicas e economicamente viáveis de tratamento, não apresenta outra alternativa senão a disposição final ambientalmente adequada. Portanto, a disposição final ambientalmente adequada é a ultima alternativa a ser empregada. Necessariamente, outras etapas, como a não geração, a reciclagem, o reúso, o reaproveitamento energético e o tratamento, devem ser adotadas antes da alternativa da destinação final dos rejeitos. Transpondo essas diretrizes para a atual forma de gestão dos resíduos sólidos domiciliares nos grandes municípios paulistas, algumas indagações saltam à mente:

- Como implementar a não geração, a reciclagem, o reúso e o reaproveitamento energético?

- Somente pela obrigatoriedade e força da Lei 12.305, a disposição ambientalmente adequada dos rejeitos será conseguida em quatro anos?
- Qual o estado da arte da reciclagem da fração orgânica dos resíduos domiciliares?

De acordo com Lei Federal 12.305, entende-se por reutilização o processo de aproveitamento dos resíduos sem a sua transformação físico-química-biológica. Já a reciclagem é quando ocorre a transformação físico-química-biológica. Assim, por exemplo, quando há a separação de plásticos, seguida de lavagem, trituração e extrusão, fala-se em reciclagem. Quando há a separação da fração orgânica do lixo, seguida de compostagem e peneiramento, também se verifica a reciclagem.
Se por um lado, o Brasil é líder mundial na reciclagem do alumínio das latas de bebidas, com índice de reaproveitamento de 96%, por outro, quase que a totalidade da fração orgânica dos resíduos domiciliares é descartada “in natura”, em conjunto com os demais resíduos, nos lixões e nos aterros sanitários. Perdem-se, assim, milhares de toneladas de nutrientes, os quais poderiam ser reciclados e enriquecer o solo agrícola com composto orgânico. As análises realizadas revelam que cada tonelada de composto orgânico produzido em São José do Rio Preto é capaz de repor no solo entre 10 a 15 kg de Nitrogênio e de Fósforo, e entre 6 a 8 kg de Potássio.
No passado, diversos municípios paulistas implantaram usinas de compostagem e tentaram reciclar a fração orgânica dos resíduos. Atualmente, em se tratando de municípios com população acima de 400.000 habitantes, a única usina de triagem e compostagem que permanece ativa é a de São José do Rio Preto. Essa usina foi implantada e licenciada ambientalmente em 1989. O Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental – EIA-RIMA foi elaborado pela UNESP de São José do Rio Preto e foi aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA. O complexo da usina ocupa área pavimentada e impermeabilizada de aproximadamente 40.000 m². Há drenagem definitiva e tanques impermeabilizados (aproximadamente 6.000 m³) para a contenção e o tratamento das águas residuárias. Diariamente, são processadas, em média, 380 t de resíduos sólidos domiciliares gerados na área urbana de São José do Rio Preto. A recepção e a compostagem são realizadas em pátios pavimentados, impermeabilizados, cobertos e telados. Dos resíduos sólidos domiciliares processados diariamente, consegue-se a reciclagem de 40 t de plásticos, metais, papéis e vidros. Também é obtida uma produção de 60 t/dia de composto orgânico. Em 2010 o Ministério da Agricultura emitiu o registro de estabelecimento produtor de composto na categoria de fertilizante orgânico. As águas residuárias (aproximadamente 20 m³/dia) são tratadas por meio de processo físico-químico e biológico, com aeração por micro-borbulhamento e nebulização. A Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO do efluente bruto é de aproximadamente 6.000 mg/Litro e a tratada de 200 mg/L. Não se detectaram concentrações significativas de metais pesados nesse efluente líquido tratado. A água contida no efluente líquido tratado é lançada na atmosfera por meio de micro-nebulização.
Como os processos de recepção e de compostagem são realizados em pátios pavimentados, cobertos e telados (enclausurados), não há oferta de alimentos a urubus, a proliferação de moscas é controlada, os maus odores são perceptíveis apenas imediatamente sobre as leiras de compostagem e os tanques de aeração. Todas as operações industriais da usina são mecanizadas, à exceção da separação (triagem) que, apesar de ser realizada em esteiras e peneiras mecânicas, emprega 80 funcionário[a]s. Há programa de educação ambiental (EA), com atividades desenvolvidas dentro e fora do empreendimento. O Centro de Educação Ambiental (CEA) recebe em média 300 alunos visitantes por mês. A equipe de educadores proporciona visitações monitoradas e realiza dinâmicas específicas adaptadas e aplicadas de acordo com o nível de percepção, conhecimento e idade dos visitantes. Entre os temas envolvidos estão: o consumo consciente, a minimização da geração de resíduos, a reutilização, o reaproveitamento e a reciclagem de materiais e o gerenciamento adequado dos resíduos. A usina conta ainda com programas de saúde ocupacional, controle e monitoramento da segurança, e de combate a vetores como moscas, roedores e urubus, sendo este último inédito em centrais de gerenciamento de resíduos.
Em termos econômicos, os serviços públicos de coleta e transporte de resíduos sólidos domiciliares, de operação da usina de triagem e compostagem, da coleta, transporte, tratamento e destinação final dos resíduos de serviços de saúde das unidades municipais e animais mortos, da disposição final adequada em aterro sanitário do “rejeito” do tratamento dos resíduos domiciliares e do “rejeito” de serviços de saúde, da varrição de ruas, limpeza de feiras livres, lavagem de praças e logradouros e a manutenção do antigo aterro sanitário municipal (desativado), incluindo o tratamento do chorume, custam à Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto aproximadamente R$1.700.000,00 por mês. Considerando uma população urbana de 400.000 habitantes o custo “per capita” desses serviços é da ordem de R$ 0,14 por habitante/dia. Esse custo, a princípio, é bem inferior ao preço pago por outros serviços, como água e esgoto, energia elétrica, telefonia e internet.
É consenso geral que reciclar resíduos reduz o consumo de energia, minimiza as emissões de gases de efeito estufa, diminui a pressão sobre os recursos naturais, emprega mais pessoas e permite ganhos econômicos a diversos elos da cadeia produtiva, inclusive ao consumidor. Apesar de todas essas vantagens, observa-se que a prática da compostagem de resíduos sólidos domiciliares, em larga escala, é rara. Considerando os municípios com população igual ou superior a 400.000 habitantes, apenas São José do Rio Preto mantém uma usina em operação contínua e com controles ambientais adequados.
A não disseminação das usinas de compostagem se deve a diversos fatores: falta de equipamentos apropriados; a dificuldade no treinamento e na capacitação de funcionários; a variabilidade das características dos resíduos sólidos; a gestão municipal descontínua; a falta de conhecimento do processo industrial da compostagem; e as experiências antigas mal sucedidas.
Ante os ditames da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que impõem a reciclagem como medida prioritária, a experiência consolidada da triagem e da compostagem de São José do Rio Preto, em muito poderá contribuir para que cidades com população semelhante passem a implementar o mesmo processo. Deve-se considerar, entretanto, que reciclar resíduos sólidos domiciliares requer um “know-how” cuja curva de aprendizado é muito longa. No caso de Rio Preto, já se foram 21 anos de experiência. Basta dizer que, apenas em 2010, o empreendimento obteve registro no Ministério da Agricultura como produtor de fertilizante orgânico (composto orgânico). Esse registro encerra uma celeuma histórica representada pelos riscos da presença de metais pesados e de patógenos no composto orgânico. Também somente em 2010 foi concluída a cobertura dos pátios de recepção e de compostagem (aproximadamente 10.000 m²), condições que não são verificáveis em nenhuma outra usina. A cobertura do pátio de compostagem permitiu concluir o processo de compostagem natural (sem aceleração por ventilação forçada) em 90 dias. Com os estudos em andamento planeja-se reduzir esse tempo de compostagem para 45 a 60 dias, sem riscos de descontinuidade nos períodos de chuvas intensas. A geração de chorume e os riscos de descontrole ambiental e de má qualidade foram eliminados.
Por ultimo, há que se atentar para o fato de que a Política Nacional de Resíduos Sólidos não isenta os resíduos orgânicos gerados pela agroindústria da cana-de-açúcar da disposição final ambientalmente adequada. A torta de filtro, por exemplo, é um resíduo orgânico gerado na proporção de, aproximadamente, 40 kg por tonelada de cana moída, e deverá, doravante, ser reciclado, isto é, submetido à compostagem, antes de sua aplicação nos canaviais como adubação nitrogenada. Para tanto, a experiência da compostagem realizada em São José do Rio Preto também poderá ser útil.
José Mário Ferreira de Andrade

27 de dezembro de 2010
Fonte: Cetesb

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